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Olha-me de Perto

Olha-me de Perto

01
Jul25

Sobre o romance.

Ana Gomes

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Tenho decidido escrever sobre o romance. Não posso dizer que tenho escrito sobre o amor, sob pena de o tornar uma coisa vulgar e que se pode sentir sempre. 

Até pode. Mas vamos preservar o nome. 

Quase sempre o sofrimento que se instala vem de um lugar de carência. Como se cada experiência que se somasse nos desse a sensação de que os vazios são preenchidos com um afecto exterior. E até pode ser assim. Mas sabemos que para racionalizar o discurso: temos de ser primeiro felizes connosco mesmos. Não posso negar o óbvio. Mas também não posso abafar o vazio que se instala bem no meio do peito, nem a cabeça em loop, nem a vontade de voltar a estar naqueles braços, naquele beijo, por vezes só naquele café, e ter aquele sorriso. 

Há qualquer coisa de visceral na falta. Muitas vezes não vem do hábito, vem só do novo, do bom, do intenso. Do filtro recente que só nos permitiu ter a melhor parte da experiência: borboletas na barriga, sorrisinho doce na cara. 

 

Na verdade o que sinto é que as coisas - em mim - se dividem entre o indiferente e o alucinante. Lembro-me da primeira vez, depois de muito tempo no indiferente, que senti a alucinação de perceber que alguém me poderia querer fazer sentir bem. Que o jogo do carinho se misturava com o jogo do prazer e eu acordava para a vida, enquanto adormecia naquele colo. Como se percebesse que afinal era possível. Sentir. Querer. 

 

Depois disto tem vido sempre a dor. O abismo do vazio. Que nunca tem um closure. Que é sempre um ponto de interrogação. Que acaba como começou: sem se perceber bem porquê. 

 

E somamos histórias, somamos sensações. Somamos lágrimas. Uns dias de tristeza, outros de desespero. E os lençois da cama encharcam-se de frustração, quando há tempos - mais ou menos próximos - se encharcaram de prazer. 

 

Se fosse possível encapsulava o que senti. Para poder voltar ali sem doer. Só para voltar a sentir. Sem o medo de parecer carente. Sem ter de me expor ao desafio: uma e outra e tantas mais vezes. 

01
Jul25

.

Ana Gomes

Fui arrumando a casa para te poder receber. 

Fui desarrumando a loiça, mudando as coisas no frigorifico. Água a ferver, eu a ferver. 

Foi a cama com lençois fresquinhos, foram os discos na última faixa a rodar num crepitar nostálgico quando a música já tinha terminado. 

Foi descobrir que me podiam querer dessa maneira tão animal e ao mesmo tempo tão doce. 

Foram abraços demorados e beijos nos olhos fechados, depois dos corpos se esgotarem, mesmo antes de tudo voltar a ser fogo. 

Foram serões a falar sobre tudo e a perder as horas entre suspiros profundos...e mãos que se multiplicavam em todos os poros da minha pele.  

Fui-me arrumando enquanto casa para tu me desarrumares. 

Fui-me esquecendo que não podia gostar do teu sabor, muito menos do teu cheiro. 

 

 

It could all have been so simple, but you'd rather make it hard.  

 

 

 

21
Jun25

Uvas frescas com raspas de lima.

Ana Gomes

Uvas frescas com raspas de lima. 

A minha cabeça no teu tronco. 

O som da agulha a tocar no vinyl, as cordas da guitarra. 

Os teus olhos, que nunca abrem quando sorris. E os meus olhos muito abertos para te captar em fotografias mentais que sei que vou esquecer um dia. 

Cheiras sempre a roupa lavada, a transpiração fresca, a beijos doces e muito prolongados. 

O meu Verão começou com a certeza de que dava este mergulho de cabeça... vezes e vezes sem conta. 

23
Jan25

Prefiro morrer de sede.

Ana Gomes

Hesitei antes de tocar outros corpos. 

Deitei-me sozinha em noites incontáveis - só para fechar os olhos, só para chegar aqui. Sabia de cor a forma do teu corpo na ponta dos meus dedos. Sabia o peso exacto, o espaço que o meu corpo pequeno ocupava debaixo do teu. A textura da tua pele, cada irregularidade, sabia onde começava o teu desejo e onde nunca acabava a minha vontade de ti. 

Ainda consigo sentir o teu cheiro, a textura do cabelo, a temperatura da tua saliva. 

 

Evitei tocar outros corpos, sentir outros pesos, outros cheiros e temperaturas. 

Quis-me agarrar à memória agri-doce de termos a combinação quimica exacta: o prazer e a sede insaciável. 

Antes tinha querido tocar outros corpos. Matar a sede noutra fontes. 

Agora o tempo quer apagar a memória exacta da curva do teu peito, das tuas mãos na minha cintura. Do sabor do teu beijo que me engolia. E eu não quero ter memórias de outros corpos. 

 

Prefiro morrer de sede. 

23
Jan25

vejo-te em todas.

Ana Gomes

Olha para fotografias minhas. 

Vejo-te em todas. 

Nos meus olhos tristes quando fiquei privada de encostar o meu nariz no teu pescoço. 

Na minha alegria contagiante: depois de termos começado a falar, mesmo antes de nos termos beijado. 

Vejo-te no caminho de madrugada. 

Olha para as minhas fotografias. 

Vejo-te em todas. 

Nos meus olhos brilhantes quando finalmente os teus lábios foram o nosso beijo. 

Na minha tristeza profunda: depois de termos deixado de falar, mesmo depois de nos termos beijado. 

15
Out24

Se a memória pesar.

Ana Gomes

Se a memória pesar, terá o peso de todas as borboletas na barriga. O peso do coração que bateu depressa, tão depressa que se partiu. 

Tão depressa que não aprendeu ainda a bater no compasso certo dos dias. Se a memória pesar, terá muitas vezes o peso do teu corpo sobre o meu. Terá muitas vezes o peso do meu sorriso depois do exacto momento em que os lábios se tornaram nossos. 

Na balança dos dias: A memória pesa. Pesa mais que tudo isto. 

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04
Out24

Diário Dela #16

Ana Gomes
 

 

"Hoje sonhei com a noite em que deixámos de ser os melhores amigos. A caminho de uma festa. Num carro cheio, quatro pessoas num banco de três. 

Eu numa perpendicular esquisita, meia no teu colo, meia no ar. Deixei cair o telemovel. Baixámo-nos os dois para o apanhar e demos um beijo. O primeiro, o último.

O único. 

Senti aquele arrepio quando nos inclinámos ao mesmo tempo. O mesmo arrepio que senti tantas vezes. Que escondemos os dois. Não dos outros mas de nós. Um do outro. 

No meu sonho nada aconteceu de diferente. 

 

Muitos meses antes: um grupo de amigos divertido e tu eras o melhor. O meu melhor amigo. 

Por seres assim eu não te sabia ver feio, nem apreciar o teu corpo. Não é conversa. Era mesmo assim. Ralhavas tanto comigo porque eu fumava, mas eras sempre tu que os acabavas os meus cigarros. O teu pai tinha uma aparelhagem maravilhosa e no chão da vossa sala ouvíamos discos com o teu irmão.

No dia em que me disseste que iam morar para outra cidade senti-me injustiçada. Chorei. Não queria que fosses. Duas horas de distância era um mundo.

Uma amiga minha começou a namorar com o teu grande amigo e foi assim que nos conhecemos. Não foi uma história encantadora. Foi só assim. 

No dia em que me disseste que iam morar para outra cidade ficou tudo diferente.

Gravávamos cds um para o outro, íamos juntos a concertos, combinávamos sempre um copo mesmo que mais ninguém fosse. Todos os dias nos preparávamos ao contrário para a vida um sem o outro.

Com o Verão chegou a boa noticia - ficavas, já não iam embora. E depois do alivio vieram as tardes na piscina. A tua barriga era a minha almofada e lia-te livros em voz alta. Depois mergulhava e voltava para sacudir o meu cabelo molhado em cima de ti. Até ao dia em que quando me levantei ,me agarraste a mão. Não me lembro de o teres feito antes - com certeza que sim - mas naquele instante foi a primeira vez que me senti agarrada a ti, por ti, e fiquei com um nó na garganta. Naquele pedaço de tempo em que me voltei a deitar ao teu lado : olhos nos olhos. Senti a palma da tua mão fria e ligeiramente transpirada. 

Daí para a frente as gargalhadas passaram a sorrisos cumplices, os olhares deixaram de contar histórias e passaram a fazer perguntas e a querer respostas.

Deixaste de me puxar para o teu colo e passámos a demorar mais tempo nos abraços. Quando no fim de um dia ou de uma noite nos despedíamos sozinhos o nó voltava a atar-se e a tua mão esfriava. Nunca falámos sobre isso. Nunca por palavras.

E numa noite em que dançámos, como todos os fins-de-semana até ali, senti o meu corpo a precipitar-se para o teu e ao mesmo tempo a angustia do desejo errado. 

Voltei para casa a desejar que te fosses embora. Que o tempo voltasse para o dia em que soube que te ias embora. Mil vezes sofrer por não te ter comigo do que sofrer por te querer demais. 

O que era bonito e puro em nós era a cumplicidade descomprometida. Era ouvir música no chão da tua sala, ter a tua barriga como almofada, ler para ti, rir contigo, saber de ti tanto quanto sabia de mim. 

 

Naquela noite, no carro, quatro pessoas no lugar de três. Um beijo.

Beijámos tantas pessoas desde o dia em que nos conhecemos. Era mais um beijo? Foi o beijo. 

Sem inocência. Sabíamos tanto um sobre o outro...  que quando os nossos lábios se tocaram suavemente provámos o mesmo veneno." 

 

Diário Dela 

04
Out24

Diário Dela #3

Ana Gomes

Do Diário Dela #3

 



" Ontem abri a carta que tinha recebido há semanas. 

Não. Eu abri a carta há semanas quando a recebi. Se temos que ser rigorosos nos factos, então vamos ser. Mas não a li. 

Ontem li a carta que estava aberta e que tinha recebido há semanas. 

Não há introduções, nem assinaturas. 


- Nunca fui ao cinema contigo. - Já fiz amor contigo.
- Nunca me pesei contigo - juntos na mesma balança - . - Já fui para a praia contigo.
- Nunca corri contigo. - Já conheci uma cidade nova, noutro país, contigo.
- Nunca andei de avião contigo. - Já te vi tomar banho.
- Nunca comprei sapatos contigo. - Já andei num parque de diversões contigo.
- Nunca me sentei contigo sem nada para fazer. - Já nos vestimos juntos.
- Nunca me ri de ti. - Já me ri contigo.
- Nunca me viste chorar. - Já te vi chorar. 
- Nunca olhei para ti sem te achar linda...- Já te quis beijar.
- Nunca te mordi. - Já te beijei nas costas.
- Nunca te vi mascarada. - Já tirei fotos contigo.
- Nunca nos tiraram fotos juntos. - Já te ouvi falar Inglês.
- Nunca te ouvi falar Espanhol. - Já te ouvir cantar.
- Nunca cantei para ti ( e foi a tua sorte ). - Já adormeci a falar contigo.
- Nunca te dei um beijo à esquimó! :( - Já te vi adormecer. 

- Nunca andei contigo à chuva.- Já vi o teu cabelo molhado.

- Nunca puderem saber de nós. - Já te pedi para vires viver comigo. 
- Nunca me casei contigo. 

Mais nada. 

Quantos Nunca e quantos Já cabem em nós? "

Pag. 237 

04
Out24

Páginas Rasgadas

Ana Gomes

Para mim era mais fácil do que para ti.

Era o que tu achavas. 

Tens neste momento a tua cabeça pousada na minha barriga. 

 

Empurro o meu corpo - Puxo o teu. Um movimento 50/50. O suficiente para que encontrem um encaixe confortável. Os meus braço envolvem-te, sobes e aninhas a tua cabeça no espaço entre a minha orelha e o meu ombro. 
Eu sei que estás a chorar. Em silêncio. Preferes sempre sofrer assim, achas que não deves expor fraquezas, como se chorar fosse para os fracos. Meu idiota.

As tuas lágrimas mornas começam a molhar o meu cabelo, a humedecer o meu pescoço. Engulo em seco. Quero chorar contigo mas não posso. O nó que tenho na garganta ata-se ao nó da tua. As minhas mãos não descansam. Apertam as tuas omoplatas. Quero puxar as tuas angústias para mim. Quero poder sofrer por ti, em vez de ti. Não contigo. Nem por ti. Só em vez de ti. 

É por isso que achas que para mim é mais fácil do que para ti. 

Mas não é. 

Acho que é só mais natural. 

Saudades, dor, ressentimentos, noites mal dormidas, dias importantes, pedidos impossíveis, são só algumas das consequências do que não podemos alterar. 

Adormece. Quando acordares nada terá mudado. Não ganhámos mais tempo. Mas também não perdeste mais tempo a sofrer. "

Pag. 375 - página rasgada.

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